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OS MELHORES LIVROS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS QUE LI EM 2019



Dos 96 livros que li no ano passado, 46 foram escritos por autores brasileiros que escrevem hoje. Um número tão considerável quanto esse é a primeira das razões que me levaram a criar uma seleção exclusiva para minhas melhores leituras nacionais contemporâneas – o que significa que a lista abaixo não está restrita a livros publicados em 2019, e sim aos que li neste ano. Meus critérios foram muito pessoais: considerei livros que tenham me impressionado com suas formas, premissas e impactos sobre minha vida e memória e também aqueles que se destacaram em relação às outras obras de produção contemporânea com as quais entrei em contato.


Neste post estão livros de prosa e de poesia. Se você é um leitor que não costuma ler literatura brasileira recente mas tem vontade de passar a ser, os livros aqui elencados podem ser boas portas de entrada. As obras estão dispostas na ordem em que foram lidas durante o ano e não por preferência. Aquelas que já foram comentadas no LiteraTamy estarão com os links de acesso para suas resenhas/entrevistas. Vamos lá?


1. CORAÇÕES RUIDOSOS EM QUEDA LIVRE, de Alex Sens (Penalux)

Sou fã do Alex desde que li seu primeiro romance, O frágil toque dos mutilados, lá em 2015. Quando soube que ele escrevia contos, fiquei muito animada para descobrir se sua competência literária seria igualmente admirável em outro gênero, e não me surpreendi quando constatei que, sim, ele mantém sua excelência também nos contos. Os textos de Corações ruidosos em queda livre formam uma tríade que propõe a experiência de mergulho em situações inusitadas, sempre mantendo o efeito de movimento veloz característico das grandes quedas. Pode ser que nos espatifemos ou que o solo seja emborrachado — e a incerteza disso é uma ferramenta que Sens não ignora em seus escritos, impondo-a contra nós como um jogo que testa nossos limites. Um livro que considero injustiçado pela crítica e pelos prêmios literários tradicionais.


2. O QUARTO BRANCO, de Gabriela Aguerre (Todavia)

Um romance que trata do direito de não saber o que fazer e, mesmo assim, continuar a fazer coisas, porque não saber o que fazer não impossibilita ir fazendo coisas. Um livro sobre identidade e duplo, sobre ser mulher e sobre a relevância do corpo nessa vivência. Aguerre trabalha de modo singelo questões fortes como a gravidez, a família e a fuga, para, no final, nos emocionar com a potência latente dessa sua composição supostamente simples. Conversei com a autora e nosso papo está disponível neste link.


3. LÁGRIMAS NÃO CAEM NO ESPAÇO, de Luiza Mussnich (7Letras)

A poesia da Luiza Mussnich me conquistou de cara! Ela é uma poeta contemporânea que não hesita em incorporar o nosso tempo aos textos, que escreve poesia como quem formula perguntas, propondo sínteses subjetivas de um cotidiano que é também nosso. Lágrimas não caem no espaço é um livro sobre deslocamentos, cujos poemas refletem o turismo acidental do olhar da autora e que compõem um álbum de fotogramas poéticos antigravitacionais. Tive uma conversa deliciosamente poética com a Luiza e você pode assisti-la aqui.


4. AMORA, de Natalia Borges Polesso (Não Editora)

Livro de contos vencedor do Jabuti em 2016, Amora tem como ponto de partida o feminino do amor e transcende os estereótipos que limitam as representações da mulher nas artes, especialmente da mulher lésbica. Isso tudo moldado por uma competência estilística invejável, capaz de dar voz própria a cada narradora das histórias. Gravei um vídeo apaixonado sobre ele, disponível neste link.


5. A GRANDE MORTE DO CONSELHEIRO ESTERHÁZY, de Alberto Lins Caldas (Penalux)

Um romance sobre a servidão, em tudo extraordinário — estilo, cadência, enredo, personagens e ambientação —, que causou em mim o assombroso maravilhamento de visitar pela primeira vez um território estranho, inabitado e até nocivo, mas ao mesmo tempo (e talvez por isso mesmo) envolvente e encantador. Sem dúvidas, a leitura mais surpreendente do meu ano. Se você gosta de Hilda Hilst e Samuel Beckett, você vai gostar de conhecer o singularíssimo A grande morte do conselheiro esterházy.


6. TORTO ARADO, de Itamar Vieira Junior (Todavia)

Torto Arado tem cheiro de barro, de terra brasileira. Com as irmãs Belonísia e Bibiana, protagonistas do romance, eu me arrepiei. Fiquei muda por um tempo diante das novas formas de escravidão que tomam nosso país até que a voz da insubordinação me chegou pela natureza e me mostrou a força do feminino contra as injustiças. Como diz meu amigo Humberto Conzo Jr., o livro de Itamar é um contemporâneo que já nasce clássico. Pude conversar com o autor e nossa conversa você confere aqui.


7. SE DEUS ME CHAMAR NÃO VOU, de Mariana Salomão Carrara (Nós)

Este romance tem como protagonista a Maria Carmem, uma garota de 11 anos que sofre de solidão. Ela me fez lembrar que nessa idade eu também sentia muitas coisas que não sabia elaborar, coisas que para os grandes pareciam bobagem. Coisas que me provocavam medo — e que ainda carrego comigo, chamando assim, de coisas, porque permanecem inexplicáveis. Maria Carmem dá vontade de abraçar, de aconselhar, de escutar. De pular da janela e voar alto como balão. Leve. Livre. Faz entender que gente é gente, independente da idade. O que a Mari Carrara criou é lindo e importante, me conectou à criança que fui e que continua existindo aqui. Conversei com ela e com seu cachorrinho Tabu e nosso papo lindo pode ser assistido aqui no canal.


8. NENHUM MISTÉRIO, de Paulo Henriques Britto (Cia. das Letras)

Os poemas de Paulo Henriques Britto são encantadores. O autor, também muito competente em seus trabalhos como tradutor, vale-se da tradução na poesia para a partir dela verter certa maneira descomplicada de lidar com a vida, como se nela não houvesse mistérios. Em seus textos, geralmente breves e sem muitos adornos, Britto investiga o nulo e revive o clichê de que tudo pode virar poesia, desde um simples muro até a ciência metafísica, renovando nosso senso de atenção ao diminuto e aos (supostos) absolutos. Poeta que olha para o mundo despido de enigmas.


9. FUNDO FALSO, de Mônica de Aquino (Relicário)

Um livro de poemas que é como uma caixa de costuras que pertence a uma mulher, artesã hábil, delicada e sensível. Parece que a gente se vê bordada ali, naquelas páginas que retomam Penélope, que transformam a dor em método, a água em força, os espelhos em caminho. Mônica explora o inexplorado como matéria poética e nos faz sondar o insondado da gente. É poesia-toque.


10. LUA NA JAULA, de Ledusha Spinardi (Todavia)

O próprio título deste livro já é por si só um poema – e comprova a potência imagética das criações de Ledusha. Ela ensina que a poesia não precisa de muito para criar imagens marcantes, as quais ela explora sobretudo por meio da mistura entre natureza e criação tecnológica, analisando a relação entre o que é naturalmente livre e as prisões artificiais que buscam contê-lo. Uma bela aula sobre compor retratos em palavras.


11. MÔNICA VAI JANTAR, de Davi Boaventura (Não Editora)

Eis um livro nada óbvio. Desacostumados que estamos com a liberdade, até pensamos que o desconforto maior nessa leitura é ultrapassar as barreiras de sua configuração livre: sem parágrafos, sem pontuação, sem letras maiúsculas. Sem quaisquer amarras. Em um primeiro momento, podemos mesmo acreditar que o texto está sob nosso domínio, comandado pelo nosso ritmo. Mas eis que o que ele conta nos atropela com tanta carga de absurdo e incômodo que fica difícil acreditar que é possível Mônica ir jantar com tudo isso acontecendo... e então somos dominados pela narrativa. As amarras enfim se mostram. Não estão na escrita mas sim em Mônica, e também em nós, incapazes de abandonar a leitura antes de descobrir se e como essa mulher vai conseguir dar conta de tamanho disparate. Fascinante.


12. NINGUÉM VAI LEMBRAR DE MIM, de Gabriela Soutello (Pólen – Selo Ferina)

Cheguei a pensar que a estreia de Gabriela Soutello era o livro que eu gostaria de ter escrito. Conforme fui avançando a leitura, porém, descobri que não era bem isso, que essa sensação de ler algo que deveria muito bem ter sido feito por mim não era exclusiva, mas um efeito latente pertencente ao próprio texto. Uma potência impressionante, que eu fui agraciada em desvendar (mas não somente eu, qualquer um que esteja disposto a experimentá-la pode sentir o mesmo, o que torna tudo ainda mais mágico e pujante). Soutello nos oferta a exploração intensa da solidão, a consciência esmagadora da nossa condição insular – e o preço que ela paga por isso é, talvez, não ser lembrada por ninguém, porque reflete algo tão nosso, tão de dentro da gente, que soa como nós mesmos, e não como um outro. Um livro pra ler e chamar de meu.


Essa foi a seleção dos melhores livros brasileiros contemporâneos que li em 2019. Fiquei muito contente com o resultado e a única meta que mantenho em 2020 é diversificar, ainda mais, as origens daquilo que leio. E você, já leu alguma dessas obras? Me conta!


 

Tamy Ghannam

Graduada em Letras (FFLCH- USP) e pesquisadora de narrativas brasileiras contemporâneas, é idealizadora do projeto multimídia LiteraTamy, que desde 2015 dispõe-se a difundir a literatura como prática revolucionária.

 

Assista também ao vídeo no canal do LiteraTamy:


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